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As ruas de uma cidade

Renato Muniz B. Carvalho
Publicado em 09/06/2025 às 19:16
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Tem gente que prefere ficar em casa. Parece que é uma tendência nos dias de hoje. Será o frio, o medo de gastar um dinheirinho suado ou a tão temida insegurança propagada na televisão e nas redes sociais? Mas tem os que saem às ruas, seja para trabalhar, fazer compras, correr, ear ou simplesmente andar à toa. Coisas da sociologia, da geografia, dos estudos urbanísticos, entre outras áreas do conhecimento.

Aqui, minha atenção se dirige à observação do cotidiano. Por enquanto, fico com o palpite vulgar, mas pode chamar de intuição, suspeita, prognóstico, etc. Talvez seja pura falta do que fazer. O que eu sei é que olhar o movimento das ruas é muito bom, é relaxante, que o digam os que ficam tardes inteiras debruçados nas janelas ou os aposentados que ainda frequentam as praças.

Eu tinha uma tia que gostava de ficar na varanda. Sabia quem estava indo e voltando, de onde para onde, com quem e, desconfio, os porquês. Dava notícia de tudo e de todos. Seu mundo ia até onde suas vistas alcançavam, a não ser quando saía junto com minha avó, a irmã mais velha dela. Aí, seu horizonte se ampliava, mas seu desconforto era visível.

Olhar as ruas de uma cidade abre novas perspectivas, mas depende de quem olha e para onde dirige o olhar. O olhar não é neutro. Nas ruas, a sensação que predomina é a de cada um por si, isso até o pedestre encontrar alguém ou algo para se distrair ou se apavorar. Aí, a coisa muda de figura. As ruas carregam — e se espera que por muito tempo ainda — o caráter público, mas cada um reage de um jeito. Ruas podem intimidar, abrigar, juntar gente, excluir… São muitas as opções e reações. Trata-se de construir mundos, relações, opiniões. Apropriar-se delas é preciso.

Vamos juntos? Olhe o solitário moço que caminha apressado. Rumo ao trabalho? À escola? Está atrasado? Perdeu o ônibus ou gosta de caminhar? Resolva logo e amos ao próximo: um professor; só pode ser, com livros debaixo do braço. Quem lê nos dias de hoje? Ou será um estudante da pós-graduação? Pensa ele na sua tese? Na apresentação que terá de fazer daqui a pouco?

O olhar se desvia para duas moças que caminham juntas, distraídas. Conversam como se o tempo não existisse. Tenho receio de que tropecem nos buracos irremediáveis. Sobre o que conversam? O trabalho estressante? Não, seu semblante e gestos indicam que o assunto é mais ameno. Contam sobre os respectivos namoros, atritos familiares, sonhos e aflições? Conversas, lutas, medos, prazeres e descobertas se misturam nas ruas de uma cidade. Mundos diferentes em cenários mutantes, ricos, diversos. Um casal de mãos dadas desvia-se de cocô de cachorro e do lixo. O trabalhador corre para não perder o ônibus, e eu corro para escrever essa crônica.

 Renato Muniz B. Carvalho

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